03 novembro 2012

A VIDA DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS( PARTE II)




Em 1939, o papa Pio XII tributou um reconhecimento oficial ao "mais italiano dos santos e mais santo dos italianos", proclamando-o padroeiro da Itália. PORMENORES Juventude e conversão São Francisco era filho do comerciante italiano Pietro di Bernadone dei Moriconi e sua esposa Pica Bourlemont, cuja família tinha raízes francesas. Os pais de Francisco faziam parte da burguesia da cidade de Assis, e graças a negócios bem sucedidos na Provença, França, conquistaram riqueza e bem estar. Na ausência do pai, em viagem à França, sua mãe o batizou com o nome de Giovanni (João, em português, a partir do profeta São João Batista) na igreja construída em homenagem ao padroeiro da cidade, o mártir Rufino. A origem de seu nome Francesco (Francisco) é incerta. Para uns, depois de uma viagem à França, onde o menino teria ficado cativado pela vida francesa, sua música, sua poesia e seu povo, seu pai teria começado a chamá-lo de "francesco", que significa "francês" em italiano. Para outros seu pai teria feito, em vez, uma homenagem ao país natal de sua esposa, embora não haja provas de sua naturalidade francesa. Também foi sugerido que o nome foi dado por seu gosto pela língua francesa, que perdurou por toda a vida de Francisco e era em sua época a linguagem por excelência da literatura cavaleiresca e da expressão amorosa. 
O menino cresceu e se tornou um jovem popular entre seus amigos, por sua indisciplina e extravagâncias, por sua paixão pelas aventuras, pelas roupas da moda e pela bebida, e por sua liberalidade com o dinheiro, mas mostrava uma índole bondosa. Era nessa época fascinado pelas histórias de cavalaria, e desejava ganhar fama como um herói. Assim, em 1202 alistou-se como soldado na guerra que Assis desenvolvia contra Peruggia, mas foi capturado e permaneceu preso, à espera de um resgate, por cerca de um ano. Ao ser libertado caiu doente, com episódios de febre que duraram quase todo o ano de 1204. Ali se apresentaram as duas afecções que o acompanharam por toda a sua vida: problemas de visão e no aparelho digestivo. Depois de recuperado tentou novamente a carreira das armas, engajou-se em 1205 no exército papal que lutava contra Frederico II, incentivado por um sonho que tivera. Nele apareceu-lhe alguém chamando-o pelo nome e levando-o a um rico palácio, onde vivia uma linda donzela, e que estava cheio de armas resplandecentes e outros apetrechos de guerra. Indagando de quem eram essas armas esplêndidas e o palácio magnífico, foi-lhe respondido que tudo aquilo era seu e de seus soldados. Animado com a perspectiva de glória, pôs-se a caminho, mas no trajeto teve outro sonho, ou uma visão, onde ouviu, segundo a versão da Legenda trium sociorum, uma voz a dizer: Quem te pode ser de mais proveito? O senhor ou o servo? Como Francisco respondesse: 0 senhor, ouviu novamente a voz: Então por que deixas o senhor pelo servo e o príncipe pelo vassalo? Confundido, Francisco disse: Que queres que eu faça? e a voz replicou: Volta para tua terra, e te será dito o que haverás de fazer. Pois deves entender de outro modo a visão que tiveste. Poucos dias depois, já em Assis, durante uma algazarra com seus amigos, teria sido tocado pela presença divina, e desde então, segundo a Legenda, começou a perder o interesse por seus antigos hábitos de vida e mostrar preocupação pelos necessitados. Eleito "rei da juventude" em um festejo folclórico tradicional, em vez de preparar-se para a entrada em uma vida de casado, como seria o costume, retirou-se, conforme relatou seu primeiro biógrafo Tomás de Celano, para uma caverna a fim de meditar, acompanhado de apenas um amigo fiel, para quem revelou suas preocupações e seu desejo de obter o tesouro da sabedoria e de desposar a vida religiosa. Mas ainda era um período de hesitação. Quando tinha arroubos de devoção e os expressava publicamente, era ridicularizado; tinha pesadelos com uma horrível mulher corcunda, e imaginava que esta era a imagem de sua futura vida de pobreza. Certo dia saiu em um passeio pelos campos nos arredores, e ao penetrar em uma clareira ouviu o som do sino que os leprosos, proscritos pela sociedade, deviam usar para indicar a sua aproximação, e logo se viu frente a frente com o homem doente. Fazia frio e o leproso tinha apenas trapos sobre o corpo. Francisco sempre sentira repulsa dos leprosos, mas nesse momento desceu de seu cavalo e cobriu o homem com seu próprio manto. Espantado consigo mesmo, olhou nos olhos do outro, e viu sua gratidão, e enquanto ele mesmo chorava, beijou aquele rosto deformado pela moléstia. Este parece ter sido o ponto de virada em sua vida, mas sua vocação não se declarou toda subitamente, e a cronologia desses e outros episódios preparatórios para sua conversão não é clara nas fontes antigas. Também parece ter tentado seguir o ofício de seu pai, mas sem conseguir devotar-se a ele. Ao contrário, estava cada vez mais interessado em ajudar os pobres. Jesus na Cruz de São Damião fala com Francisco Mas certa feita entrou para orar na igreja de São Damião, fora das portas da cidade, e ali, diz a tradição, ele ouviu pela primeira vez a voz de Cristo, que lhe falou de um crucifixo. A voz chamou a sua atenção para o estado de ruína de sua Igreja, e instou para que Francisco a reconstruísse. Imediatamente voltou para sua casa, recolheu diversos tecidos caros da loja de seu pai e os vendeu a baixo preço no mercado da cidade, e voltou para a igreja onde tivera sua revelação doando o dinheiro para o padre, a fim de que ele restaurasse o prédio decadente. Ao saber disso o pai se enfureceu e mandou que o buscassem. Atemorizado, Francisco se escondeu em um celeiro, onde seu amigo lhe levava um pouco de comida. Passado algum tempo, decidiu revelar-se, e diante do povo de Assis se acusou de preguiçoso e desocupado. A multidão o tomou por louco e divertiu-se apedrejando-o. O pai ouviu o tumulto e o recolheu para sua casa, mas o acorrentou no porão. Alguns dias depois sua mãe, por compaixão, livrou-o das correntes, e Francisco foi buscar refúgio junto ao bispo. O pai seguiu-o e o acusou de dissipador de sua fortuna, reclamando uma compensação pelo que ele havia tirado sem licença de sua loja. Então, para a surpresa de todos, Francisco despiu todas as suas belas roupas e as colocou aos pés do pai, renunciou à sua herança, pediu a bênção do bispo e partiu, completamente nu, para iniciar uma vida de pobreza junto do povo, da qual jamais retornou. O bispo viu nesse gesto um sinal divino e se tornou seu protetor pelo resto da vida. A fundação da Ordem e primeiras obras Francisco, tomando ao pé da letra o que o crucifixo de São Damião ordenara, iniciou sua nova vida como pedreiro, ajudando a reconstruir diversas igrejas nos arredores de Assis - esta de São Damião, a de São Pedro e a da Porciúncula, que segundo São Boaventura era a que ele mais amava. Igreja de Santa Maria dos Anjos, A Porciúncula. Nela descobriu, em 1208 ou 1209, na leitura de uma passagem do Evangelho de Mateus, as linhas gerais que orientaram sua vocação: "Ide, disse o Salvador, e proclamai em todas as partes que o Reino do Céu está aberto. Vós recebestes gratuitamente; dai sem receber pagamento. Não leveis nem ouro, nem prata nem cobre em vossos cintos, nem um alforje, nem uma segunda túnica, nem sandálias, nem o cajado de viajante, pois o trabalhador merece ser sustentado. Em qualquer vila em que entrardes procurai alguma pessoa digna, e hospedai-vos com ela até partirdes. E quando entrardes em uma casa, saudai-a; se a casa for digna, desça sobre ela a vossa paz; mas, se não for digna, torne para vós a vossa paz." Dessa forma, de devoto passou a ser missionário, e começou a pregação da palavra divina, fazendo seus primeiros conversos, entre eles Bernardo de Quintavalle, um rico burguês de Assis, que vendeu tudo o que tinha para dar aos pobres, Pietro Cattani, que foi mais tarde seu sucessor na Ordem, e o Irmão Giles. Nesse período inicial, segundo Celano, teve uma revelação do futuro brilhante de sua Ordem, e ao mesmo tempo das provações que estavam pela frente. Diz o cronista: "No começo desta nossa vida vamos encontrar alguns frutos doces e deliciosos. Depois serão oferecidos outros de menor sabor e doçura. No fim, serão dados alguns cheios de amargor, de que não poderemos viver, porque sua acidez será intragável para todos, apesar da aparência de frutos belos e cheirosos. Entretanto, como vos disse, o Senhor fará de nós um grande povo" São Francisco e os companheiros diante do Papa em Roma Tendo reunido mais um grupo de seguidores, dirigiu-se para Roma a fim de obter do papa a autorização da primeira Regra para a fundação de sua Ordem, a chamada Regra primitiva, que prescrevia uma pobreza absoluta para os monges e para a Ordem, em imitação literal da vida de Jesus Cristo e seus apóstolos conforme narrada nos Evangelhos, que não possuíam nada pessoalmente nem em comum. Segundo o cronista inglês Matthew Paris, lá chegando, sujos e vestidos pobremente, foram ridicularizados pela corte de Inocêncio III, que mandou não aborrecê-lo com sua Regra, considerada excessivamente rigorosa e impraticável, e que fosse pregar entre os porcos. Tendo-o feito num chiqueiro próximo, coberto de lama voltou para o papa, que refletindo um momento, decidiu recebê-los em uma audiência formal depois que se lavassem. Francisco e seus amigos se prepararam então para esse outro encontro conseguindo o apoio de prelados eminentes para a sua causa. Segundo os relatos antigos, nesse ínterim Inocêncio teve um sonho, onde viu a Basílica de São João de Latrão prestes a desabar, apenas sustentada por um pobre religioso, que ele interpretou como sendo Francisco. Com a recomendação favorável de alguns conselheiros e com o aviso recebido em sonho, Inocêncio finalmente autorizou a Regra, mas não por escrito, nem outorgou o estatuto de Ordem maior ao grupo, apenas permitiu que pregassem e dessem socorro moral às pessoas, mas acrescentando que se eles conseguissem frutos de seu trabalho, voltassem a ele para que sua situação fosse completamente regularizada. Crises dos amigos de Francisco e sua pregação Alguns relatos antigos, como o deixado por Roger de Wendover, sugerem que Francisco e seus companheiros não ficaram completamente satisfeitos com o resultado de seu encontro com o papa, e em seu caminho de volta, ao pararem em Spoleto, parece ter havido uma crise entre o grupo. Alguns teriam se inclinado a abandonar a pregação para viverem como monges eremitas, desiludidos com a ostentação de luxo da corte papal. Também nessa ocasião parece ter ocorrido o célebre Sermão aos pássaros, mas os cronistas divergem na sua descrição. Para Wendover ele foi a manifestação da revolta de Francisco, que teria mandado as aves devorarem os poderosos, mas os que seguem a versão de Celano o referem como um idílio cheio de poesia e doçura. Chegando em Assis, instalaram-se em uma cabana no campo, onde se dedicaram ao cuidado dos leprosos, ao trabalho manual e à pregação, vivendo de esmolas. Logo a cabana se tornou pequena para o crescente número de irmãos, mas o abade do mosteiro beneditino do Monte Subásio lhes concedeu em fins de 1210 o uso da capela da Porciúncula e de uma terra adjacente. Entre os novos amigos de Francisco estavam o Irmão Leo, seu futuro confessor e amigo inseparável, o Irmão Ruffino, que segundo a lenda pregava até dormindo, o Irmão Juniper, o Irmão Masseo e o Irmão Illuminato. Nesse período sua pregação já alcançara toda a região entorno, mas não eram sempre bem recebidos. Santa Clara, seguidora de Francisco, fundadora das Clarissas Em 1212 a Ordem foi enriquecida com a primeira mulher, Clara d'Offreducci, a futura Santa Clara, fundadora do ramo feminino dos Frades Menores, as Clarissas, que logo trouxe suas irmãs, a quem foi dado o uso da capela de São Damião. Pregação e milagres No mesmo ano fizeram sua primeira tentativa, frustrada, de evangelizar os sarracenos na Síria, mas não conseguiram chegar ao seu destino e acabaram voltando a Assis com grande dificuldade. Durante a viagem de navio, conta a tradição que o santo fez o milagre de pacificar uma tempestade e de multiplicar a comida dos marinheiros, que terminava. Nessa época seus milagres foram numerosos. Em Ascoli curou enfermos e fez muitas conversões, em Arezzo os arreios de um cavalo que ele havia tocado curaram uma mãe em perigoso trabalho de parto, em Narni curou um paralítico, em San Gimignano expulsou demônios, e em Gubbio pacificou um lobo que assolava a região, entre muitos outros prodígios. Sua fama como santo já se espalhava, e recebeu em doação o monte Alverne para que erguesse ali um refúgio para os irmãos. Em 1214 se dirigiu para o Marrocos para pregar entre os mouros, mas só pôde chegar à Espanha, onde caiu doente, mas outros irmãos prosseguiram. Em 1219, durante a Primeira Cruzada, foi ao Egito, encontrou-se com os cruzados que assediavam Damietta, profetizando sua derrota, em seguida manteve uma entrevista com o sultão Al-Kamil que, impressionado, ao fim da visita pediu que Francisco orasse para que Deus lhe mostrasse a forma de cultuá-lo que fosse de seu agrado e permitiu que pregasse entre seus súditos. Dali passou para a Palestina, peregrinando pelos lugares santos, onde recebeu a notícia de que os irmãos no Marrocos haviam sido martirizados, e que a comunidade em Assis, na sua longa ausência, estava em crise. Crise e Reforma da Ordem Voltou à Itália e passou por Roma a fim de obter ajuda do papa. Quando chegou em Assis viu que seus ideais haviam sido abandonados e reinava grande confusão entre os irmãos. Alguns se haviam tornado vagabundos e se associavam com mulheres, outros queriam erguer igrejas suntuosas, abandonar o rigorismo da Regra inicial, dedicar-se aos estudos eruditos, e pediam favores e privilégios para o papa. Ao mesmo tempo, a liberdade de pensamento outorgada pela Regra primitiva, que permitia o questionamento de preceitos e ordens percebidos como contrários à consciência, havia degenerado em disputas constantes de opinião entre os irmãos e em desobediência. Pelo menos em um caso a reação de Francisco foi violenta. Em Bolonha, onde o Irmão João fundara um colégio, expulsou todos de lá, inclusive os doentes. Depois teve de aceitar, com a intervenção papal, várias mudanças importantes. Foi estabelecido o período probatório de um ano para novos candidatos, um representante do papa foi indicado governador e corregedor da Ordem, e Francisco passou a administração da comunidade para o Irmão Pietro Cattani, logo substituído pelo Irmão Elias, enquanto que Francisco permanecia apenas como guia espiritual. Elaboração de nova Regra para a Ordem Foi criada a Ordem Terceira para os irmãos leigos, foi autorizado o estudo avançado de teologia, e Francisco elaborou uma Segunda regra, em 1221, tentando torná-la o mais clara e inequívoca possível. Ainda assim a Segunda regra, também chamada Regra não bulada, se revelou ineficaz para a solução da crise, era em essência a mesma, e foi solicitada nova revisão para Francisco, auxiliado pelos irmãos Leo  e Bonizzo. Segundo o relato do Speculum perfectionis, prevendo que Francisco não cederia em muito, o Irmão Elias, acompanhado de outros, foi ao encontro de Francisco e solicitou um abrandamento no texto, e nesse momento todos teriam ouvido a voz de Cristo dizendo que desejava preservar a pureza do conteúdo dos Evangelhos e que quem não se conformasse deixasse a Ordem. Ficando pronto em 1223, aparentemente com poucas modificações novas, o novo texto foi enviado para Roma para aprovação papal, mas recebeu ainda muitos outros ajustes e cortes do cardeal Ugolino e finalmente foi confirmado pelo papa Honório III, na bula Solet annuere, de 29 de novembro de 1223, e por isso é chamada de a Regra bulada. O texto da Regra primitiva resultou ainda mais profundamente alterado; a maioria das citações do Evangelho e as passagens poéticas foram removidas e substituídas por fórmulas legais. O artigo que autorizava a desobediência de superiores indignos foi excluído, assim como os que prescreviam o cuidado dos leprosos, junto com todas as obrigações de pobreza absoluta. Já não se insistia no trabalho manual e se permitiu que os irmãos usassem quaisquer livros, que naquela época eram raros artigos de luxo. Impostas pela hierarquia eclesiástica romana e pela pressão de parte de seus próprios companheiros, essas mudanças pouco refletiam o espírito original franciscano, mas foram inevitáveis diante da tensão entre um grupo que crescia, se diversificava e estava prestes a perder sua unidade, e a necessidade de mantê-lo funcional e organizado. Mas expressavam ainda o conflito aberto entre a hierarquia espiritual e a institucional. Francisco via a si mesmo como o mensageiro de um mandado divino, crendo que sua Regra não podia ser alterada sem traição a Cristo que o inspirava e que era a autoridade suprema a ser considerada, a quem o próprio papa devia subordinação, mas parece não ter compreendido que Cristo não falava ao papa nem aos monges, somente ele ouvia sua voz, e assim inevitavelmente sua credibilidade e a propriedade de sua intransigência eram postas em dúvida. Segundo os relatos a Regra bulada só foi aceita por Francisco por força da obediência que devia ao papa como líder da Igreja, da qual jamais quis afastar-se, mas submeteu-se, com grande pesar, e os seus primeiros biógrafos referem este período como o da sua "grande tentação", a de abandonar todo o trabalho. Por fim aceitou o fato consumado, e entregando os frutos para Deus, pacificou-se. 

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